terça-feira, maio 17, 2016

PROFESSORES:Fala que eu não te escuto

Por sua atuação cotidiana, professores não são exatamente profissionais silenciosos. Ao contrário: com a rotina diária de falar (ou gritar, quando bate o desespero) para turmas de alunos por horas a fio, cerca de 60% dos docentes apresentam dificuldades como rouquidão e pigarro. Entretanto, quando o assunto é o debate sobre Educação, sobra apenas um fiapo de voz. Uma pesquisa realizada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e pelo Ministério da Educação (MEC) analisou 5.362 textos jornalísticos publicados por 57 jornais brasileiros e concluiu: os convidados a pautar na mídia o debate educacional são organizações da sociedade civil, pesquisadores ou fontes oficiais (como o próprio MEC, o Ministério Público e os conselhos de Educação). Apenas 5,9% das fontes ouvidas eram professores das etapas básicas de ensino. 

Em áreas como medicina ou engenharia, é diferente. Os profissionais são consultados independentemente de serem pesquisadores ou representantes da categoria. Mas os docentes da Educação Básica não são tidos como peritos mesmo que o assunto em foco seja sua realidade profissional. O diagnóstico para a afonia é variado. Responsabiliza-se a mídia, o governo, a legislação e os próprios professores. Há um tanto de razão em cada uma das constatações. 


Os meios de comunicação parecem acompanhar a desvalorização da docência. Na primeira metade do século passado, o magistério foi, sim, uma profissão de elite. Professores das séries iniciais eram quase tão bem remunerados quanto os universitários. A partir de meados da década de 1960, com a massificação das matrículas e um crescimento populacional da ordem de 5% ao ano, foi preciso recrutar um exército de educadores. A necessidade de novos quadros fez cair as exigências de ingresso nos cursos de formação. Com o investimento público estagnado, a conta não fechou: os salários foram rebaixados e as jornadas multiplicadas, com evidente prejuízo à qualidade do trabalho. 

Em paralelo ao silenciamento docente, os microfones começaram a amplificar a fala de um profissional externo ao ambiente escolar: o economista. Sua ascensão coincide com a industrialização dos anos 1970 e atinge o auge com o avanço do liberalismo da década de 1990, quando o crivo econômico virou condição essencial para efetivar políticas públicas. Em termos gerais, tanto a escola quanto o indivíduo formado por ela passaram a ser pensados primordialmente como instrumentos do desenvolvimento econômico. 

Esse pensamento ecoou. É sintomático constatar como palavras típicas do jargão empresarial - avaliação externa, eficiência, bônus por mérito - acabaram incorporadas com naturalidade ao vocabulário educacional. Diversos economistas conseguem, ainda, ocupar espaços diretamente na mídia, atuando como fontes ou colunistas de Educação em jornais e revistas, como mostra o pesquisador Geraldo Sabino Ricardo Filho no livro A Boa Escola no Discurso da Mídia (254 págs., Ed. Unesp, 11/3242-7171, 35 reais). Com acesso direto aos veículos, os novos atores avançam, munidos de estatísticas e rankings sob medida para virar manchete. Ocupam o posto anteriormente dominado pelos professores de Ensino Superior, que já não detêm o monopólio da autoridade na análise das questões educacionais.
Silenciados e silenciosos 


Se até os intelectuais universitários encontram dificuldades para se fazer ouvir, que dirão os educadores das redes estaduais e municipais. O docente parece ter sentido o peso de décadas de desvalorização. Em sua dissertação de mestrado Silêncio dos Professores?, a jornalista e pesquisadora Fernanda Campagnucci argumenta que os educadores interiorizam essa percepção social negativa. Portadores de uma identidade depreciada, muitos não se veem como referências no assunto. Preferem deixar a matéria para os "especialistas". 



Os poucos que se dispõem a falar sofrem a repressão de mecanismos burocráticos nada sutis. Alguns, como as lamentáveis "leis da mordaça", transmitem aos professores a impressão de que não se pode falar com a imprensa sem a autorização de um dirigente. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a norma se baseia em um artigo do estatuto dos funcionários públicos civis, que proíbe seus integrantes de criticar os órgãos em que trabalham. Ocorre que a norma é inconstitucional, já que a Carta Magna respalda a liberdade de expressão (leia o quadro abaixo)



O Observatório da Educação registrou dispositivos semelhantes em ao menos 18 estados e diversas capitais brasileiras. Mesmo quando não há norma explícita, é comum a distribuição de memorandos ou circulares a diretores de escola "solicitando" que os docentes não atendam aos pedidos da imprensa, sobretudo em situações de greve ou denúncias. Em diversas redes, é recorrente o cerceamento ao trabalho jornalístico operado pelas assessorias de imprensa. Várias delas parecem atuar no sentido oposto ao que o nome indica, autorizando ou restringindo o contato com os docentes e gestores escolares arbitrariamente, de acordo com a avaliação da possível repercussão da reportagem. Mesmo quando liberados para falar, muitos professores vivenciam o temor de represálias por parte da escola ou da rede - principalmente quando as declarações não são positivas. 



Como escreve Fernanda, o silêncio resulta de uma articulação de múltiplos fatores. É preciso lembrar, portanto, que ele não se dá apenas pela interdição da palavra - que é concreta, mas não explica totalmente o mutismo. No debate educacional, professores são silenciados, mas também silenciosos. Para recuperar a voz, é preciso acreditar que o embate vale a pena, a começar pela defesa da liberdade de opinião e expressão e da livre manifestação do pensamento, asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição brasileira. Um debate público diversificado é essencial para a democracia. E o professor pode contribuir.

Fonte:Nova Escola

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