segunda-feira, fevereiro 22, 2016

QUEM FOI O AUTOR DA OBRA EM MARIANA?

Fundão foi projetada com linhas retas. Mas, em novembro, ao ruir, tinha curvas: um recuo aberto há cerca de três anos no alto da barragem deixou seu eixo em forma de "S". Essa mudança é investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, pois pode explicar a causa da ruptura na barragem da Samarco.

Enquanto ainda se buscam respostas para a tragédia que matou 19 pessoas e poluiu o rio Doce –numa das maiores perdas ambientais do país–, a empresa que pertence à Vale e à BHP Billiton, de um lado, e o projetista responsável por Fundão, de outro, travam uma guerra. De quem era o projeto? Nenhum dos lados assume a autoria.O engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, 70, declara ter projetado a barragem até 920 m acima do nível do mar. Ela ruiu com 898 m, mas ele nega que o projeto fosse o seu. "As fotos aéreas mostram que o nosso projeto não foi seguido e que a construção tinha geometria diversa da indicada", diz, por e-mail. Ele não quis falar por telefone.


Fundão crescia ano a ano, e a Samarco já se movimentava para, numa segunda etapa, aumentá-la até 940 m. Ávila começou o projeto em 2006. Em 2012, quando a altura era de 835 m, seu contrato venceu, e a Samarco fechou com a VogBR para um projeto de obras acessórias. A VogBR também começaria, no final de 2014, a fazer o projeto de 920 m para 940 m.
Ávila voltou em 2013 como consultor. As alterações, diz, ocorreram em sua ausência. Sua responsabilidade, afirma, está restrita ao seu projeto de eixo reto e sem recuo.

As mudanças foram realizadas porque Fundão, em 2012, precisou de um dreno, devido à água recebida da pilha vizinha da Vale. A mineradora abriu um canteiro de obras recuando o eixo para ter espaço físico para os trabalhos, curvando-o em "S".

Como a Folha revelou em janeiro, Ávila disse em depoimento à PF que identificou um "princípio de ruptura" no recuo, em 2014, como consultor. A obra foi feita para corrigir falhas no projeto de Ávila, rebate a Samarco. "Toda a intervenção seguiu o manual de operação feito pelo projetista, e ele, como consultor, teve plena ciência do recuo", diz a empresa em nota.

O engenheiro nega falhas. Para a empresa, ele continuava sendo o responsável técnico e legal pelo projeto.

ANOTAÇÕES

Contratos firmados por um engenheiro devem ser informados pelo profissional aos conselhos de engenharia, por meio da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). Ao final da obra, o engenheiro dá baixa no documento.

Ávila não deu baixa em sua anotação como responsável pelo projeto de Fundão. A Folha obteve cópia de sua ART. Questionado, ele não explicou por que não informou o conselho, já que não se considerava mais o responsável.

Segundo o Crea-MG, "cada profissional responde pelas atividades das quais declarou ser responsável". O órgão não diz quem responde pelo projeto de Fundão, mas afirma estar "analisando as ARTs".

Para José Roberto Piqueira, diretor da Poli-USP, informar responsabilidades não é um ato burocrático. "Se um profissional sai da empresa e deixa de ser responsável técnico, tem de comunicar ao conselho. Se não comunica, comete erro gravíssimo", diz.
PARCERIA

Em vídeo institucional de 2014, feito em comemoração aos seus 25 anos, a Pimenta de Ávila Consultoria, especializada em barragens de mineração, cita como um de seus mais fiéis clientes a Samarco. A relação sobreviveu às bodas de prata, mas desandou após 5 de novembro, quando Fundão, projetada pelo fundador da consultoria, Joaquim Pimenta de Ávila, ruiu.

O engenheiro virou personagem central após a Folha revelar no mês passado o conteúdo de seu depoimento à PF. Ele afirmou ter alertado a Samarco em 2014 sobre um "princípio de ruptura" e pôs em xeque as modificações e os monitoramentos feitos na estrutura pela empresa.

A mineradora se defendeu dizendo nunca ter recebido alerta em tom de gravidade e reafirmou a responsabilidade de Ávila sobre o projeto. Embora esteja por uma década ligado a Fundão e seja o autor dos estudos de ruptura e do plano de ação de emergência da barragem, ambos com deficiências, o engenheiro não foi indiciado pela PF.

Antes dos depoimentos, negociava novos projetos com a Samarco. A parceria entre o engenheiro e a mineradora chegou a ter continuidade após a tragédia, quando ele foi contratado para um estudo de ruptura das estruturas remanescentes.

O documento registrava que a mineradora não fornecera todas os dados para que o estudo tivesse precisão, foi entregue à Justiça com atraso e, segundo a Samarco, em versão "preliminar". Para Ávila, a versão era final.
Nos últimos dias, a empresa encerrou os contratos que tinha com o engenheiro.

LAUDOS

Ávila também produziu laudos e perícias para o governo de Minas e para o Ministério Público do Estado, onde desde 2003 trabalha sua mulher, a geóloga Marta Sawaya, também especialista em barragens de rejeitos.
O engenheiro analisou todos os rompimentos de grande repercussão de barragens em Minas nos últimos 15 anos.

O caso de Mariana foi exceção. Ele afirma ter alegado impedimento, por conta de seu envolvimento na obra. Questionado se o trabalho da geóloga na Promotoria poderia beneficiar Ávila, o órgão diz que afastou a funcionária das investigações de Fundão para evitar a anulação do inquérito.
Fonte:www1.folha.uol.com.br

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