segunda-feira, junho 13, 2016

Poluição luminosa bloqueia Via Láctea para um terço do mundo

RIO - Fontes de inspiração e objeto de estudos para artistas e cientistas ao longo de milhares de anos, o céu noturno com suas estrelas são uma visão cada vez mais rara para grande parte da população do planeta. Um novo atlas global da poluição luminosa publicado ontem no periódico científico “Science Advances” indica que mais de um terço da Humanidade vive em lugares onde o brilho da iluminação artificial esconde a Via Láctea, o “rio” de estrelas que caracteriza nossa galáxia e domina as noites sem Lua. O problema é maior em países ricos, como na União Europeia e nos EUA, onde, respectivamente, quase 60% e 80% da população não conseguem mais ver a Via Láctea onde moram, mas também afeta nações pobres e em desenvolvimento como o Brasil, no qual 62,5% das pessoas vivem em locais em que estão impedidas de observar nossa galáxia pela invasão das nossas luzes no céu.


— Temos gerações inteiras de pessoas nos Estados Unidos que nunca viram a Via Láctea — lamenta Chris Elvidge, pesquisador do Centro Nacional de Informações Ambientais da Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOAA) e um dos coautores do atlas. — Ela é grande parte de nossa conexão com o Cosmo, e foi perdida.

Mais do que representar um incômodo aos astrônomos profissionais e amadores, porém, estudos apontam que a poluição luminosa prejudica a saúde humana, afeta nossos padrões de sono e provoca danos ao meio ambiente, em especial a animais de hábitos noturnos. E o problema não é pequeno, mais pervasivo até do que a poluição atmosférica e a qualidade do ar, que recebem muito mais atenção dos governos e dos próprios habitantes das cidades.

Mais de 80% da população mundial exposta

De acordo com os dados do atlas, 83,2% da Humanidade estão expostos a um nível já relativamente alto de poluição luminosa, sendo que 13,9% da população mundial vivem em locais tão iluminados — com um brilho no céu acima de 3 mil microcandelas por metro quadrado (mcd/m2) — que seus olhos não precisam mais atuar à noite na chamada visão escotópica, produzida sob baixa luminosidade em que os bastonetes — receptores em nossa retina responsáveis pela detecção de cores e que só funcionam em boas condições de luz — são “desligados”.

— Se quisermos ter qualquer esperança de entender como as luzes artificiais afetam a nós e aos ecossistemas, um dos primeiros passos é ter uma compreensão detalhada de qual é esta exposição — defende Christopher Kyba, pesquisador do Centro Alemão para Pesquisas em Geociências (GFZ) e outro dos coautores do estudo. — Este atlas nos ajudará nisso fornecendo exatamente este tipo de informação.

Para produzir o novo atlas (o anterior é datado de 2001), os pesquisadores liderados por Fabio Falchi, do Instituto Italiano de Ciência e Tecnologia da Poluição Luminosa, contaram com dados captados pelo satélite americano de observação da Terra Suomi NPP. Lançado em 2011 numa parceria entre a NOAA e a Nasa, a agência espacial dos EUA, o Suomi NPP leva a bordo um instrumento batizado VIIRS (sigla em inglês para “conjunto radiométrico para imageamento visível e infravermelho”) que é o primeiro intencionalmente desenhado para observar e medir as luzes urbanas do espaço.

Os dados do satélite, por sua vez, foram calibrados e validados com medições feitas em mais de 20 mil localidades em terra ao redor do mundo, das quais aproximadamente 20% foram realizadas por “cientistas-cidadãos” voluntários, por meio dos aplicativos Globe at Night (“o globo à noite”, numa tradução livre, e disponível em português na internet) e Loss of the Night (“a perda da noite”, também em tradução livre, e que deverá ter uma versão em português a partir do ano que vem).

— Fiquei surpreso com o fato de as observações dos cientistas-cidadãos com seus celulares terem apresentado uma melhor relação com os dados do mapa do que as estações permanentes montadas pelos cientistas profissionais — destaca Kyba. — Achamos que isso se deu porque os cientistas-cidadãos, como os cientistas profissionais, selecionaram noites com boa qualidade atmosférica para fazerem suas medições, enquanto a análise das estações fixas usaram todas as noites em que não havia nuvens, mas nas quais poderia haver outras interferências, como névoa. Sem eles, não teríamos dados de calibragem para a maior parte dos países fora da Europa e da América do Norte.

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Com a divulgação do atlas, os cientistas responsáveis esperam chamar a atenção das autoridades e da população para o problema, que pode se agravar ainda mais com a progressiva substituição das lâmpadas de iluminação pública das atuais, em geral de vapor de sódio, pelas mais econômicas, e poderosas, de LED.

— O novo atlas nos dá uma documentação crítica do estado do ambiente noturno enquanto estamos à beira de uma transição mundial para a tecnologia LED — alerta Falchi. — Se não tivermos considerações cuidadosas para a cor do LED e seus níveis de iluminação, esta transição pode levar a uma aumento de duas a três vezes do brilho do céu em noites sem nuvens.

Medidas simples para resolver problema

Segundo os cientistas, diversas medidas podem ser tomadas para evitar que o poluição luminosa piore ou mesmo eliminá-la quase por completo, devolvendo a boa parte da Humanidade o encantamento com as noites estreladas. Entre elas estão iniciativas básicas como a instalação de rebatedores para que a luz dos postes e outras fontes não vaze para cima ou na direção do horizonte, iluminando apenas a região desejada em solo; que elas emitam a luminosidade mínima necessária para cumprir sua função, diminuindo a sua intensidade quando a área que iluminam não estiver em uso; a diminuição da emissão total de luz, como a que está sendo feita com outros poluentes; e o uso de tecnologias inteligentes que adaptem a iluminação à necessidade do momento, como sensores de tráfego e condições meteorológicas, diminuindo, por exemplo, sua intensidade em noites de Lua cheia sem nuvens. Ou, simplesmente, desligar o interruptor.

Fonte:oglobo.com

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